4 de mai. de 2010

E o Papa chorou…



Quando Nietsche chorou”… é o título de um romance recente que tenta levar o leitor a mergulhar nas profundezas da alma de um filósofo que parecia insensível, mas que na realidade apenas tinha uma maneira diferente de sentir.



Nestes dias em que a Igreja está sofrendo com os escândalos provocados por sacerdotes que assumiram um comportamento vergonhoso, muitos olham para o Papa Bento XVI, tentando desvendar o que se esconde por trás de seu rosto aparentemente frio. E certamente há mesmo aqueles que, de alguma forma, se alegram com o olhar cansado do Papa, pois são incapazes de deixar de ver nele o que julgavam ser o olhar duro do Cardeal Ratzinger.


Quando Nietsche chorou, ele abriu seu coração, e revelou-se um ser humano como outro qualquer, sujeito a dores e sofrimentos. Por isso mesmo, um ser extremamente sensível, apenas que sua sensibilidade era recatada. Pelo que foi noticiado há dias, Bento XVI chorou. E com certeza esta não foi a única vez que lágrimas furtivas brotaram de seus olhos. É que, segundo o testemunho de quem o conhece mais de perto, ele sempre foi extremamente sensível para com as pessoas, amigo da música e das artes, além de um filósofo e teólogo que vem marcando o pensamento cristão há décadas.



Quando se fica num plano mais imediato não é preciso dizer o porquê das lágrimas de Bento XVI, pois uma certa mídia já se encarregou de explorar, de maneira impiedosa, não só o comportamento daqueles sacerdotes, mas o comportamento do próprio Papa. Com isto até mesmo quem não nutre grande entusiasmo por sua maneira de ser não pode deixar de encontrar a razão de suas lágrimas e nem pode deixar de pressupor que sua cruz se tornou ainda mais pesada.


E no entanto, a razão mais profunda das lágrimas do Papa só serão devidamente compreendidas quando se recorda uma cena vivida por Jesus, quando, no alto do Monte das Oliveiras, chorou sobre Jerusalém. Chorou sobre aquela cidade que deveria brilhar como a luz do sol por abrigar o Templo de Deus, e que no entanto foi obscurecida por pequenos mas expressivos grupos que traíram a missão que Deus reservara ao Povo de Israel. As lágrimas de Jesus eram de decepção, e particularmente de compaixão.



Com certeza, Jesus era um homem sensível. Para constatar isto basta trazer à mente certas cenas nas quais se vê Jesus decantando a beleza dos lírios dos campos e do chilrear das aves do céu. Num nível mais profundo a sensibilidade de Jesus se manifesta no amor que nutria pelos que o seguiam, homens e mulheres, crianças e adultos, santos e pecadores, ricos e pobres. Talvez seja até por isso que escolheu Judas para ser um dos doze apóstolos, pois olhava a todos com os olhos de Deus e confiava na força misericordiosa do Pai e na consequente possibilidade de regeneração até dos maiores pecadores.



Num nível mais profundo ainda, Jesus não sentiu nenhum constrangimento em tomar as crianças no colo e proclamar que delas é o Reino dos céus. Entretanto, a maior expressão da sensibilidade de Jesus foi certamente aquela de condenar, com veemência, o pecado, mas procurar o resgate do pecador: “vai e não peques mais”. Ele proclama várias vezes não ter vindo para os justos, mas para os pecadores; não veio para os saudáveis, mas para os doentes.


Ora, é à luz desta atitude de Jesus que se compreendem as lágrimas do Papa. Como qualquer homem, sobretudo com uma função tão especial dentro da Igreja, ele certamente teve vontade de pegar um chicote e expulsar os vendilhões do templo. E no entanto, ao mesmo tempo lá no fundo do seu coração, com certeza brotava outro sentimento: o de proceder como Jesus, sobretudo quando pendurado no alto da cruz, perdoando até o ladrão que pendia a seu lado. Bastou que este ladrão mostrasse seu arrependimento para ouvir aquelas palavras que jamais podem ser esquecidas: “ainda hoje estarás comigo no paraíso”.



Essas considerações nada tem a ver com uma tentativa inútil de justificar o que é injustificável. Repetidas vezes a Igreja condenou a pedofilia como crime e como pecado, crime e pecado tanto mais graves quando cometidos pelos que deveriam ser exemplo de fidelidade aos mandamentos de Deus. E repetidas vezes a mesma Igreja deixou claro que, uma vez comprovada a culpa, os acusados seriam devidamente punidos e as vítimas socorridas. E com certeza é isto que acontecerá.



Mas onde estariam então as razões das lágrimas do Papa? Não deve ter sido muito comum ao longo da história da Igreja ver um Papa chorar. Uma das razões aponta para a vergonha que todas as pessoas da Igreja sentem diante de fatos similares. Outra razão aponta para a tentativa de, a partir de fatos lamentáveis, se tentar macular toda a Igreja de Cristo, e com isso soltar uma espécie de “grito de independência” ou de “liberação geral” de todos os valores evangélicos.


E no entanto, sem medo de errar, parece que a razão mais profunda das lágrimas do papa radicam num conflito doloroso que se estabelece quando se tenta unir justiça e misericórdia. Decepcionado como todo mundo, indignado como todo mundo, um Papa não pode simplesmente compartilhar de uma certa histeria que se apoderou de alguns setores da sociedade. Afinal, não apenas esses crimes e estes pecados infelizmente atingem milhões de pessoas afetivamente desestruturadas, como também não são os únicos crimes e pecados que bradam aos céus. Eles apenas são mais chocantes.



Finalmente e felizmente, as lágrimas do Papa não são o capítulo final da história. No caso de Jesus, que não só chorou, como também teve seu corpo marcado pelo suor e pelo sangue, o capítulo final aconteceu na manhã de Páscoa, quando Deus interveio e o ressuscitou dos mortos. A sexta feira santa nunca é o capítulo final. O capítulo final é sempre o da Ressurreição.


Quanto maior a queda, tanto mais propícia a oportunidade de se revelar a pedagogia divina: O mesmo Deus que derruba os poderosos de seus tronos, revela sua força na fraqueza humana. E Ele certamente vai indicar o caminho para que volte a brilhar a luz pascal no rosto hoje manchado de lama da Igreja porque um certo número de seus filhos mergulhou nela.

Prof. Dr. Frei Antônio Moser - Teólogo

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